Mereço?

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(ao amigo Claudio Silvestre)

Será que mereço?  Terei merecimento?   Ela não merece isso!  Deus dá só pra quem merece!

Quantas vezes dissemos frases como essas, julgando, condenando e decretando, com base em nossa avaliação pessoal, transferida para as leis de Deus, quando não para ele mesmo!?  Quanta pretensão nos acompanha, ainda!

No fundo dessa conduta humana, há um hábito arraigado, implantado pelo tempo de inobservância das palavras. Por exemplo, no www.dicionárioweb, encontramos: Merecer = v. t. ser digno de. Ter direito a. Granjear.  Mérito = s. m. merecimento, aptidão, superioridade. Bom serviço no desempenho das funções.  

Como vemos, tem mérito ou merecimento, quem tenha feito por alcançar algo, por concluir algo, por realizar algo.

Mereço um pagamento porque trabalhei; mereço elogio porque imprimi qualidade no que fiz.

Sabemos disso, mas não damos muita importância a esse saber, porque boa parte da sociedade aplica os termos merecer e merecimento com uma conotação religiosa tradicional. Ou seja, costuma-se usá-los para a pessoa que for dócil e cumprir as leis da religião -ditas divinas- porque então Deus a premiará, livrará dos perigos e dará boas coisas para sua vida.  O que significa que se cometer erros, sentir raiva, não se deixar de lado por causa dos outros, sair das idéias e conduta tradicionais, desobedecer as regras… só terá más coisas na vida, sofrerá muito e receberá castigos. Por isso, pensa-se, por exemplo, que certa pessoa não merece ter problemas porque é uma pessoa boa. Conceito bastante equivocado, porque não leva em conta que as situações difíceis, ao serem enfrentadas e superadas, puxam o fortalecimento de nosso caráter e  ensinam a viver melhor.

Observando algumas formas de pensar, podemos reciclar nosso conceito sobre essas palavras. E usando os Princípios do Espiritismo como critério, aprofundamos a reciclagem, porque salientam os desvios conceituais.

Usaremos: Livre arbítrio = liberdade de escolha; Consequências naturais = fruto do arbítrio de pensar e ser, não sendo prêmio nem castigo; Reencarnação = voltar a vida material em novo corpo; Evolução = desenvolver potenciais; Deus = criador dos elementos espiritual (origem dos Espíritos, onde estão as leis universais) e material (instrumento inerte, para a evolução dos Espíritos). Em O Livro dos Espíritos de Kardec, encontram-se esses Princípios detalhados e analisados.

Unindo-os, Deus não criou cada ser, pois todos os Espíritos são individualizações do elemento espiritual. Tendo  em si as leis universais em potencial, iniciam o processo evolutivo, que é o desabrochar delas e seu gradativo funcionamento, fazendo-os passar pelos reinos mineral, vegetal, animal e hominal, através das reencarnações.

Salientando-se nos humanos, o desenvolvimento do arbítrio, deixa bem claro o poder que temos de escolher o que nos pareça melhor. Isso porque o arbítrio também está se desenvolvendo e obedece as nuances evolutivas de cada um. Onde temos mais experiências, portanto mais desenvolvimento evolutivo, também nossa capacidade de escolher acertadamente é mais ampla. Então, não é Deus que nos dá situações, paz, bem estar, sorte e nem prêmios ou castigos. Ter arbítrio é o mesmo que dizer que Deus não decide nada na vida das pessoas.

Conforme pensamos, escolhemos e decidimos, mesmo que aceitando ou copiando opiniões alheias. Isto cria consequências naturais, ou seja, cada um constrói sua vida e nela tem situações boas ou ruins, em conformidade com seu modo de pensar e ser. Portanto, se ter mérito é fruto de algo pelo qual trabalhei e me empenhei, obviamente tenho os bons resultados correspondentes. E Deus não tem nada a ver com isso e nem me premia.

Também, entre os animais mais evoluídos, culminando nos humanos, tem início a formação da mente, sede da memória, do controle das funções físicas, do raciocínio, da criatividade, da razão e dos condicionamentos.

Bastante notórios nos animais, os condicionamentos no ser humano são até maiores e mais amplos, porque apoiados pelas crenças, raciocínios e regras religiosas.

Para uma idéia, costume ou modo de ser tornar-se condicionado, é preciso que tenha sido repetido muitas vezes da mesma maneira, sem exame ou questionamento, por entendermos que é a expressão da verdade. Essa atitude estabelece a fixação, isto é, a memorização forte e aquilo passa a funcionar sem o uso da razão, e sim por automatismo. Por exemplo, um motorista experiente não pensa como dirige seu carro, apenas dirige.

Da mesma forma, por ouvirmos, aceitarmos e repetirmos, tantas vezes, que merecimento tem a ver com prêmios e proteção divinos, acabamos por inserir essa idéia condicionada em nossa forma de pensar, sem analisar seu poder limitante e sua conotação excludente e elitista. Mas também, sem a mínima observação do verdadeiro sentido da palavra, especialmente se olhada à luz dos princípios espíritas.

Ter arbítrio e procurar usá-lo da forma melhor e mais ética, é uma coisa.  Ter que agir segundo regras para agradar ao deus das religiões e merecer seu beneplácito, é muitíssimo diferente. É o oposto!

Romper um hábito equivocado pede coragem, superar o medo e conviver bem com as condenações. Mas é a única forma de ganhar liberdade interior e evoluir por consciência.

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