A caridade e o caridoso

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caridade

Na sessão anual comemorativa dos mortos, da Sociedade Parisiene de Estudos Espíritas, em 1º- de novembro de 1868, Kardec proferiu um discurso de abertura, cujo tema é a comunhão de pensamentos e sua aplicação em reuniões espíritas. Em vários trechos ele fala de caridade.

“Qual é, pois, o laço que deve existir entre os Espíritas? … É um sentimento todo moral, todo espiritual, todo humanitário: o da caridade para todos. Dito de outro modo: o amor do próximo, que engloba os vivos e os mortos, uma vez que sabemos que os mortos sempre fazem parte da Humanidade.

A caridade é a alma do Espiritismo: ela resume todos os deveres do Homem para consigo mesmo e para com os seus semelhantes…

Mas a caridade é ainda uma dessas palavras de sentido múltiplo… O campo da caridade é muito vasto; ele compreende duas grandes divisões …: Caridade beneficente e caridade benevolente. … a primeira, é naturalmente proporcional aos recursos materiais dos quais se dispõe; mas a segunda está ao alcance de todo o mundo, do mais pobre ao mais rico. Se a beneficência é forçosamente limitada, apenas a vontade pode pôr limites à benevolência.

O que é preciso, pois, para praticar a caridade benevolente? Amar seu próximo como a si mesmo: … se agirá para com outrem como se gosta que os outros ajam para conosco, não se desejará nem se fará mal a ninguém, porque não gostaríamos que no-lo fizessem.

Amar seu próximo é, pois, abjurar todo sentimento de ódio, de animosidade, de rancor, de inveja, de ciúme, de vingança, em uma palavra, todo desejo e todo pensamento de prejudicar; é perdoar os seus inimigos e restituir o bem onde haja o mal; é ser indulgente para com as imperfeições de seus semelhantes e não procurar a palha no olho de seu vizinho, então que não se vê a trave que está no seu; é ocultar ou desculpar as faltas de outrem, em lugar de se comprazer em pô-las em relevo pelo espírito de denegrir; é ainda não se fazer valer às custas dos outros; de não procurar esmagar ninguém sob o peso de sua superioridade; de não desprezar ninguém por orgulho. Eis a verdadeira caridade benevolente, a caridade prática, sem a qual a caridade é uma palavra vã… “.

No discurso proferido aos espíritas de Lyon e Bordeaux, em 1862, registrado para a posteridade pelo próprio Kardec, o tema é a caridade aplicada em si, nas relações entre espíritas e destes com toda a sociedade, contribuindo para a fraternidade universal e a renovação das relações sociais e legais entre os povos. Nele encontramos: “Há caridade em pensamentos, palavras  e atos”. “…

ela se aplica a todas as relações pessoais…está inteira na frase do Cristo: Fazei aos outros o que quiserdes que vos façam.” Caridade é um sentimento de benevolência, de justiça …” “ A caridade é a base, a pedra angular de todo o edifício social”.

Embora sejam trechos, pode-se observar que o conceito de Kardec sobre caridade, é bastante diverso do sustentado pelas religiões dogmáticas, predominante na nossa sociedade, inclusive entre espíritas.

Mesmo tendo usado, para ilustrar temas e estudos,  textos de Espíritos cujas idéias representavam ainda, o catolicismo em que estiveram atuantes, isso não atrapalhou e nem mudou a forma ampla e renovadora de Kardec ver a caridade.

Com as palavras dele, diz que é uma descoberta interior de que todos somos fruto do pensamento de Deus, estamos evoluindo e passamos por embaraços e dificuldades; por isso precisamos, sem exceção e em muitos momentos, de alguma compreensão e colaboração. O que não estabelece que quem precisa é menos, é inferior, em relação àquele que circunstancialmente tem o que oferecer. Ao contrário, é sempre uma troca; momentos de fraternidade e de solidariedade natural, nascida d´alma.

Ou seja, quando somos induzidos, por argumentos conscienciais-moralistas, a fazer pelos coitados, a ter dó dos coitadinhos, a ser médium para salvar Espíritos, …  ou então sofreremos amanhã, iremos para o umbral, passaremos necessidades, somos egoístas, e outros tantos terrorismos, está sendo construída uma atitude, mesmo que involuntária, de orgulho e hipocrisia. Atitude oposta à fraternidade, à educação espiritual, à recuperação moral dos caídos e à justiça social, buscada pela consciência humana.

Ninguém é coitado e ninguém “tem quê” nada!

Há que haver um movimento interno, que vem de forma natural e não medrosa, nem pelas conveniências sociais e muito menos pela busca de prestígio e elogios.

Que se atenda necessidades, se o coração mandar! Mas não pelo espírito de superioridade, de ser herói, salvador e solucionador do problema do outro que, coitado, não consegue, não sabe, não pode… Vaidade pura!

Caridade é um novo modo de ver o outro, uma postura pessoal que nasce da compreensão sobre a solidariedade que há entre tudo e todos, minerais, vegetais, animais e humanos, encarnados e desencarnados.

É algo com você, e não por causa da situação do outro, que o faz colaborar e nunca suprir/dominar/assumir.

É uma questão de foro íntimo, de respeito por si próprio, de autodignidade por usar, em tudo, o conhecimento de que as variantes do entendimento humano podem gerar embaraços, sofrimento e limitações. É também compreender a ignorância que todos tem, no seu ponto, e que leva a relativa incapacidade diante de fatores perturbantes.

Kardec deixa muito claro que não é nos atos que se vê a verdadeira caridade, mas na maturação moral, nascida das experiências e entendimento de sermos todos semelhantes, o que estabelece formas naturais de se partilhar e trocar recursos de todo tipo. E para nós, essa maturação é facilitada pelas leis universais, trazidas pelos Espíritos da Codificação, como Princípios do Espiritismo.

É tempo de reciclarmos idéias/conceitos, colocando-nos dignos dos que trazem crescimento interior e elevação moral, ao mesmo tempo em que descartamos os que nos prendem a medos, induções maldosas e tradições superadas.

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