Desmitificando a memória

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Quando lembramos de algo, nunca essa lembrança é idêntica ao que era quando foi memorizada, porque se insere em uma série de outras informações, emoções e sentimentos que compõem nosso psiquismo, e também recebe os que nascem à partir do fato lembrado. Nem sempre percebemos isso. Parece-nos, como pensavam cientistas do passado, que a memória é algo fixo e estável, que sempre é igual, mas não é.

Pode-se confirmar essa realidade através de pesquisas em fontes confiáveis, na internet ou em livros, onde estão registradas pesquisas sérias e responsáveis sobre esse assunto.

O número de um telefone, o título de um livro ou a morte de Jesus, que não podem ser mudados, nós os lembramos acompanhados de todas as referências que acumulamos, ligadas a eles, as quais não existiam quando os memorizamos. Mas muitas lembranças, como um fato significativo ocorrido conosco, vêm sempre com micro detalhes cumulativos, que não haviam em princípio, os quais podem ir mudando gradativamente o fato, em virtude das conotações que passamos a dar-lhe, fruto das reações posteriores a ele. O que ocorreu, nunca mais será idêntico ao que foi! Nós já não somos a mesma pessoa e não estamos mais nas específicas situações emocionais, mentais e psíquicas de quando ocorreu.

Simplesmente após algo acontecer, as emoções despertadas, os sentimentos afetados, os pensamentos evocados, as reações verbais, fisionômicas e fisiológicas não desaparecem. Ficam conosco um tempo maior ou menor, dependendo do quanto somos obsessivos, mas o acontecido vai sendo repensado, reinterpretado segundo achamos, agora, que deveria ter sido, fortalecendo positiva ou negativamente o ocorrido, que vai sendo acrescentado de toda essa nova bagagem e da teatralização mental, sempre mais favorável a nós mesmos.

Também as repetições constantes de cenas e palavras, altamente afetadas emocionalmente, consolidam mudanças no que realmente houve, fruto do orgulho e das frustrações.  Ou seja, estamos modificando, em maior ou menor escala o que foi memorizado de uma certa maneira, no momento que aconteceu. Chega-se a alterar profundamente a realidade. Basta observar-se, para verificar esse processo. Costumeiramente, o que nos favorece é aumentado e o que desfavorece é diminuído.

Experimentos da neurociência mostram que pessoas chegam a afirmar ter vivido algo que só foi visto num filme, por exemplo, pelo tanto que o fato os afetou, foi absorvido e passou a compor sua estrutura personal. A sabedoria popular diz que a pessoa mente tanto que acaba acreditando ser verdade.

Para a Ciência, essa “lei” da modificação, grande ou pequena, da memorização é facilmente constatada. Na vida prática podemos verificar essas alterações – muitas vezes surpresos – ouvindo parentes e conhecidos relatarem de forma diferente ou com outra conotação,  algo do qual participamos. Também com o conhecimento dos Princípios do Espiritismo, evolução dos Espíritos, Livre arbítrio, Influência oculta dos desencarnados sobre os encarnados, Ação mental sobre os fluidos… é bem fácil entender o que ocorre.

Mas fiquemos atentos para recusar o equívoco que permeia livros, palestras e raciocínios espíritas, de que a memória está no perispírito. Ela “está” no Espírito!

E fiquemos também atentos à essas influências ocultas que estimulam a lembrança de certos fatos que servem para nos distrair do que realmente importa ou para nos abatermos ou para trazermos à tona emoções e sentimentos que servem para a exteriorização de energias/fluidos dos quais se aproveitam Espíritos oportunistas ou mal intencionados, enfraquecendo-nos.

Sendo função básica da mente, estrutura do Espírito, a memória, à luz do Espiritismo, participa da formação de nossa individualidade.

Obviamente não é um local e sim a própria estrutura espiritual que tem essa capacidade de tornar seu, se apropriar das situações, sensações, percepções, sentimentos, pensamentos, segundo sua condição específica no momento observado. Ou seja, em cada micro segundo de nossa vida, encarnados ou não, tudo que ocorre ao nosso derredor, tudo que ficamos sabendo e todas as nossas reações, em sua ampla gama de manifestações íntimas e exteriorizadas, é captado e fica impresso em nós mesmos.

Todavia não é um impressão tipográfica, feita na superfície do papel, mas sim uma alteração na composição de nós mesmos, que será ou mais ou menos profunda, podendo modificar ou consolidar aspectos de nosso modo de ser. Não somos mais a pessoa que fomos ontem, porque ontem tínhamos a memória até anteontem… e assim a cada dia. Alguns fatos nos mudam profundamente!

Por estarmos em evolução, a memorização vai nos caracterizando. Compõe nossa história de vida, que se distingue de todas as demais, exatamente pela somatória dos conhecimentos e experiências memorizados, funcional ou teoricamente, estabelecendo quem somos hoje. Fatos, situações, conceitos de vida têm significados diversos para cada um, e por isso entram em nossas estruturas perceptiva, mental e emocional, com pesos próprios, produzindo alterações correspondentes ao quanto significam.

A  diferença entre uma memorização intensa ou superficial, e mesmo quando se esvai, é decorrente de nossa maneira de pensar sobre o que houve e os interesses ou objetivos envolvidos. Decorar pode ser uma boa alternativa para uma prova, mas logo se esquece, quando o objetivo é apenas  uma boa nota. Bem diferente é a memorização de algo que nos afeta e mexe com nosso íntimo e/ ou para o qual temos um interesse significativo, por exemplo, melhorar conhecimentos para ter uma profissão satisfatória.

Essa maneira é pessoal e exclusiva, porque determinada pelas nuances evolutivas que nos diferenciam uns dos outros, conforme foram as experiências vividas e a capacidade que tínhamos e agora temos, de entendê-las. Por isso, em cada fase da vida, em função dos nossos focos, objetivos e situações psíquicas, estamos aptos a compreender e memorizar de um certo modo, com uma certa intensidade e numa certa profundidade.

Um fato ocorre na presença de algumas pessoas. Veremos que cada uma tem sua própria reação e num grau de qualidade, quantidade, profundidade e funcionalidade, resultantes de sua capacitação espiritual, que lhe dá condições específicas de conceituar, decidir e arbitrar.

A lei da evolução espiritual é universal, mas funciona segundo cada um, e manifesta-se nas modificações constantes, indo para o “lado” que a puxarmos; seria bom perceber isso…

Encarnados, o cérebro é o conjunto de órgãos materiais, que representa a mente do Espírito. E sua função, por mais que seja dependente da própria função de cada um desses órgãos, e das condições fisiológicas em que se encontram, apresenta diferenças pessoais, porque cada um de nós é um indivíduo, individualizado desde sua origem, e lidando com sua  individualidade, segundo as noções que tem sobre si mesmo.

Temos, quando encarnados, a memória ativa do que compõem essa vida e a inativa, digamos assim, relativa ao passado reencarnatório. Ambas nos compõem e funcionam, mas de modo diferente, porque a inativa é acessada indiretamente pelas circunstâncias que ocorrem, ou durante o sono do corpo, ou em momentos emocionais intensos, ou por buscas íntimas. No geral não nos apercebemos disso.

O natural e indispensável uso da memória poderá estabelecer hábitos, condicionamentos e até “viciar”, impedindo que pensemos, meditemos e usemos a criatividade. Isso ocorre quando a utilização de nossa “bagagem” para escolher e/ou criar novos caminhos, entendimentos e conduta, fica de lado e só repetimos o que já está memorizado. Essa forma de viver economiza energia, mas bitola, limita a vida da pessoa e adoece seu corpo. É abuso de uma capacidade, fruto da ignorância ou da preguiça mental.

Ganha-se ou perde-se vida pelo teor do que costumamos relembrar. Elevamo-nos ou nos inferiorizamos pelo mesmo motivo. Somos um Espírito em processo evolutivo dotados de arbítrio e não um mecanismo, repetindo sua programação…

É preciso muita honestidade para nos mantermos, memorizadamente, na mesma posição mental de quando algo ocorreu, embora em cada recordação seja acrescentada a natural maturação pessoal.

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