Allan Kardec
Allan Kardec

Enfim, podemos conhecer todos os cinco livros como Kardec os escreveu!

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Todas as pessoas têm seu estilo pessoal, que se pode conhecer pela observação atenta. Se for um autor de livros, poemas ou cinema, é através do estudo das obras que reconhecemos seu estilo.

Acostumada desde cedo a estudar o Espiritismo, o estilo enxuto, objetivo e impessoal de Kardec mostrou-se marcante para mim, e notadamente diferia dos estilos dos Espíritos, cujas respostas e orientações foram inseridas em suas obras.

Por outro lado, meu conhecimento espírita foi formado por um curso de Princípios básicos do Espiritismo, criado por meu pai Abrão Sarraf. Dedicando-me a ampliá-lo e divulgá-lo em teoria e prática durante anos, fui compreendendo o conteúdo desses Princípios que estruturam o Espiritismo, com mais clareza, amplitude e funcionalidade.

Porém, um nó havia em tudo isso. Uma incoerência estranha e ininteligível de conteúdo e estilo, em boa parte dos livros A Gênese e O Céu e o Inferno. Kardec teria mudado de opinião, adotando as que contradiziam tudo que até então havia afirmado, reafirmado e constatado pela universalidade dos ensinos dos Espíritos, e aceito como princípios básicos da doutrina, como ele mesmo afirmou várias vezes? Estaria Kardec não muito bem, para cometer tais absurdos, justamente no fechamento de sua obra? Porque mudaria seu estilo, coerência e raciocínio lógico? E, o mais intrigante: nos artigos da Revista Espírita da mesma época, essas incoerências não existiam! O que teria havido?

Por anos, evitei, em meus cursos, textos e palestras, tratar de vários capítulos e ideias que apresentavam essas contradições de forma mais notória. Até que, em meados de 2017, me envolvi com a pesquisa que viria a constatar que o livro A Gênese fora adulterado. Imediatamente dediquei-me a confrontar palavra por palavra da edição original de 1868 com a de 1872, até então utilizada erroneamente como se fosse a original. Junto de amigos dedicados que revisavam e corrigiam minhas anotações, chegamos ao consenso de 479 intervenções, que denotam uma profunda adulteração das ideias de Kardec nessa sua última obra.

Por iniciativa da direção da FEAL (Fundação Espírita André Luiz), com Paulo Henrique de Figueiredo e outros companheiros dedicados, foi possível apresentar ao mundo uma tradução em nossa língua, da edição original de A Gênese, resgatando o que Kardec escreveu. Seus textos objetivos e falam do passado, presente e futuro, da não religiosidade do Espiritismo, da evolução gradativa e pessoal, do livre arbítrio relativo às condições evolutivas e do caráter moral autônomo, coerente com os Princípios que compõem o Espiritismo e suas derivações naturais. Ideias e valores estes, que foram cirurgicamente  adulterados nessa que foi, na realidade, uma edição às ocultas, registrada sem data em 1872, após a morte dele em 31 de março de 1869; sendo que em janeiro de 1869, Kardec pediu nova cópia do texto original, e não alterou nada nesse livro.

Muito trabalho, muitas pesquisas, muitas alegrias! Sobretudo a de permitir que os espíritas tenham a possibilidade de reciclarem falsas informações que até então cultivavam, e aproximarem-se de Kardec e de seu enorme esforço em nos mostrar que o Espiritismo é uma ciência filosófica cujo caráter é eminentemente moral. Por isso, dedicou-se a trazer um conjunto de Princípios que nos fortalecem pela lógica e funcionalidade; e diminuem o sofrimento que advém da ignorância das leis universais da vida, estejamos encarnados ou não.

Mas isso não era tudo. Faltava o penúltimo livro, O Céu e o Inferno. O nó não estava totalmente desfeito. Com indícios de que esse livro também teria sofrido intervenções adulteradoras, Paulo Henrique de Figueiredo liderou o grupo de pesquisadores para mais uma maratona a favor da verdade espírita.

Nosso material de pesquisa foram as edições em francês original de 1865 e adulterada de 1869. Fui comparando palavra por palavra, e ficando indignada e feliz com o que constatei. Afinal, Kardec não esteve incoerente e nem escreveu absurdos! Eis a verdade!

Suprimiram o prefácio de Kardec, o índice foi modificado, todos os capítulos tiveram intervenções, sobretudo o VIII que centraliza o objetivo da obra. E descobri com intensa alegria que Kardec nunca escreveu, nem escreveria uma calamidade chamada código penal! Ao contrário, ele disse que à luz do Espiritismo não pode haver código de penalidades, pois cada um é o exclusivo artífice de si mesmo! Mas… cinicamente, o cap. VII da adulterada trás o subtítulo: código penal da vida futura.  Algo que jamais aceitei!

Essa absurda incoerência com o Espiritismo foi implantada por mentes mal intencionadas, invertendo o pensamento e os raciocínios expostos no texto original e causando, no meio espírita, um imenso desvio de entendimento, que nega a autonomia moral advinda do arbítrio e da evolução. Dilapidando as forças morais de quem acreditou nas inverdades ali enxertadas, essa adulteração colaborou para a falsa ideia de culpa, acovardou pelo medo das penalidades divinas, exigiu superioridade moral, submeteu à falsas autoridades. Inverteu o objetivo libertador da obra!

Essa adulteração em O Céu e o Inferno mostrou-se bem mais profunda do que a ocorrida em A Gênese, não só pela quantidade de intervenções, mas pelo desvio da teoria moral espírita, em favor dos conceitos dogmático que o Espiritismo veio anular. Por exemplo, no capítulo, VIII da obra original, o VII da adulterada, há 49 profundas intervenções nos 25 itens que o compõem; com supressão de textos, frases e palavras, acréscimo de textos, frases e palavras e mudança na ordens dos itens; além de subtítulos acrescentados, suprimiu partes do texto introdutório e acrescentou um texto incompleto.

Kardec esteve muitíssimo lúcido, coerente e lógico até desencarnar! Suas cartas estudadas no CDOR (Centro de Documentação e Obras Raras, da FEAL) também demonstram isso. Ele sempre foi coerente ante os ensinamentos trazido pelos Espíritos superiores, coerente com critério da universalidade dos ensinos, coerente consigo mesmo! As mãos desonestas e hipócritas que encobriram o brilho luminoso dessas duas últimas obras do Espiritismo – fato logrado por um século e meio – agora são reveladas com as marcas “sangrentas” do crime contra de um nobre objetivo autônomo libertador.

No livro, Nem céu nem inferno, lançado a público em 29 de outubro de 2020, todos poderão participar do resultado de uma espécie de saga, que foi a difícil trajetória dos pesquisadores, com grande exigência do empenho de cada um, principalmente de quem esteve diretamente na pesquisa e análise minuciosa de documentos nos arquivos franceses. Esse esforço foi válido para que o verdadeiro conteúdo do quarto livro estrutural do Espiritismo, O Céu e o Inferno, pudesse emergir dos falseamentos que o esconderam, e brilhasse de novo em sua verdade. Toda pesquisa está descrita, toda verdade revelada, incluindo, para a tranquilidade dos espíritas, a situação de legitimidade das demais obras de Kardec.

Realizar um estudo detalhado do capítulo VIII, que Kardec denominou: As penas futuras segundo o Espiritismo, é o que convido cada espírita a fazer por si e em seus grupos de estudo, comparando com o capítulo VII do livro O Céu e o inferno que possuem. Há uma análise no livro Nem céu nem inferno, bem como outra que fiz em PDF, para estudos e verificação dessas distorções ocorridas, sobretudo nesse capítulo. Lembrando sempre, que Kardec usou algumas palavras fortes, muito comuns em sua época, tais como punição, castigo, falta… cujo sentido era bem entendido pelos espíritas de então, e não têm o sentido católico, bastante difundido, que exige perfeição comportamental para não sofrer as penalidade divinas.

Com muito empenho, convido à leitura de mais esse livro histórico, que resgata o verdadeiro Espiritismo. Ele o surpreenderá, emocionará e mostrará a urgente necessidade de reciclarmos informações espíritas falseadas. E de reestudarmos os Princípios do Espiritismo, encontrando assim, a coerência e a integridade mental de Kardec, que nos deixou a herança de sua extremada dedicação, responsabilidade, coragem e seriedade de propósitos.

-> A tradução FEAL do texto original sairá em breve!

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